
Porto Velho, RO - O Supremo Tribunal Federal deve decidir até sexta-feira (12) se condena o ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros sete réus por arquitetarem um golpe de estado.
Na última semana, durante a primeira etapa do julgamento na Primeira Turma do STF, não faltaram críticas a falhas jurídicas e processuais que, segundo os advogados, comprometem o devido processo legal e as garantias fundamentais asseguradas a qualquer cidadão.
Esses “atropelos” reforçam a percepção de que a condenação já está previamente definida.
Veja quais quais são as principais fragilidades do processo contra os acusado de tentativa de golpe de estado.
1. Tempo insuficiente para avaliação de provas
Celso Vilardi, defensor de Bolsonaro, reclamou do volume colossal de materiais e do prazo exíguo para sua análise: “Eu não conheço a íntegra desse processo. São bilhões de documentos. Uma instrução de menos de 15 dias. Quinze dias de prazo para o Ministério Público, quinze dias de prazo para a Defesa", disse.
Esse cerceamento, sustenta o advogado, impede uma análise aprofundada e técnica das provas, subvertendo o direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa. A escassez de tempo e a falta de condições adequadas para preparação geraram desequilíbrio no processo, o que compromete a legitimidade e a validade do julgamento.
2. Cerceamento de defesa
A alegação de cerceamento, baseada no curto prazo, no enorme volume de documentos e na indisponibilidade de acesso integral, foi levantada por várias defesas. Matheus Milanez, advogado de Augusto Heleno, argumentou pela necessidade de o extenso material ser catalogado, com um índice ou sumário que permitisse a análise. Segundo ele, o pedido foi negado sob o pretexto de que seria protelatório.
Por sua vez, Celso Vilardi, advogado de Bolsonaro, expressou: “Temos um conjunto de provas apreendidas que ficou à disposição por anos com a PF, que tem um sistema para fazer pesquisa, tem os meios técnicos para buscar por conversa, por palavra, por tema. Pedimos essa prova. Ela não veio antes do recebimento da denúncia, vossas excelências determinaram que ela tinha de vir depois.”
Vilardi afirmou que o acesso às provas começou poucos dias antes do início da instrução processual, fase em que são analisados depoimentos de testemunhas, documentos e perícias.

“Tínhamos interesse especial em receber a prova do general Mário Fernandes, por causa da Operação Punhal Verde e Amarelo. Esse era o interesse. Estamos recebendo o material, muito material, 70 teras (terabytes). Quando estamos terminando, recebemos um e-mail dizendo que tinha uma falha no arquivo do general Mário Fernandes. Já tinha acabado a instrução. Nós agravamos, mas os agravos não foram processados. Fiz questão de ordem, houve entendimento por parte dos ministros de que isso não é prova, porque não está nos autos”, disse Vilardi.
“Com todo o respeito”, afirmou o advogado ex-presidente, “a prova é da defesa. O juízo de valor sobre a prova é de vossas excelências. A defesa tem o direito de colocar o contexto da prova”, acrescentou. Vilardi disse ainda que não houve “paridade de armas” e que não cabe à Polícia Federal, ao Ministério Público ou ao Judiciário decidir que tipo de provas a defesa de um acusado tem direito de ver ou não.
O cerceamento, se comprovado, pode ser motivo de anulação do processo, conforme jurisprudência consolidada do próprio STF.
3. Mutatio Libelli
Durante sua sustentação oral, o advogado Demóstenes Torres, defensor do almirante Almir Garnier, questionou a ampliação da denúncia pela PGR com base em fatos não mencionados na acusação inicial, afirmando que a inclusão de novos elementos configura uma mutatio libelli.
O termo significa uma alteração substancial da acusação sem o devido aditamento da denúncia, conforme previsto no artigo 384 do Código de Processo Penal. Torres ressaltou que, nesse caso, o Ministério Público deveria formalizar a inclusão dos novos fatos para garantir ao réu o direito à ampla defesa e ao contraditório, sob pena de tornar a acusação inepta e comprometer a legalidade do processo, prejudicando os direitos de Garnier.
4. Provas recortadas induziram o PGR ao erro
A defesa do general Augusto Heleno afirmou que a Polícia Federal selecionou provas “a dedo” para construir uma narrativa acusatória. Como alegou o advogado Matheus Milanez: “Nós sabemos que a Polícia Federal sabe exatamente o que tem naquelas provas e se selecionou a dedo para criar uma narrativa que coloca Heleno na trama golpista.” Segundo Milanez, páginas e trechos específicos do caderno de Augusto Heleno foram fotografados com até uma centena de lacunas entre eles.
A defesa acentua que não se trataria de um exame objetivo de todo o conjunto probatório, mas de um recorte enviesado que induziu o Ministério Público a adotar uma versão unilateral. Esse procedimento fere princípios como a verdade processual plena e a exigência de que as provas sejam examinadas em seu contexto total, não apenas aquelas convenientes à acusação.
5. Coação do colaborador da delação premiada
A defesa de Walter Braga Netto foi enfática ao questionar a delação de Mauro Cid: disse que ele "foi coagido durante a investigação para mudar seus depoimentos" e que o relato dele "é apenas uma narrativa que a Polícia Federal fez com que ele tivesse e que o Ministério Público abraçou de todas as formas.”
Essa argumentação ataca o núcleo da legalidade da delação premiada: se não houve voluntariedade genuína, todo o acordo pode ser contaminado e invalidado como fonte de prova.
Já o advogado de Bolsonaro, Celso Vilardi, sustentou que a colaboração não é uma “jabuticaba” — como alegado por outros advogados da ação penal do golpe —, mas “algo muito mais grave”. “A jabuticaba existe no Brasil. A delação de Cid é algo que não existe nem aqui nem em nenhum lugar do mundo”, afirmou. Segundo Vilardi, omissões ou contradições devem anular a delação, sem “aproveitamento” da prova.
6. Precariedade de provas
Celso Vilardi negou qualquer ligação de Bolsonaro às expressões “Punhal Verde-Amarelo” ou “Copa 22”: “Não há uma única prova que atrele o presidente... Não tem um e-mail, não tem uma comunicação, não tem uma pessoa que atrele o presidente ao 8 de Janeiro, ao [plano] Punhal [Verde e Amarelo], não tem nada.”
O advogado sustenta que o discurso acusatório se pauta em suposições e narrativas construídas por analogia ou correlação frágil, mas sem provas diretas que demonstrem autoria ou comando.
7. Violação do princípio do juiz natural
A defesa de Heleno criticou o magistrado relator por atos que extrapolam a competência do juiz na investigação: “Moraes formulou 302 indagações, enquanto a PGR apresentou 59. Isso caracteriza uma atuação investigativa do relator, o que comprometeria sua imparcialidade.”
Segundo Milanez, a concentração de funções (investigar, produzir prova e julgar) mina o princípio do juiz natural, que exige imparcialidade e que o juiz não seja parte ativa na produção de provas.
8. Desrespeito ao princípio da imparcialidade
Ainda na mesma linha, Milanez citou Aury Lopes Jr.: “...Não existe imparcialidade, pois uma mesma pessoa busca a prova e decide a partir da prova que ele mesmo produziu.”
A afirmação expõe um claro desequilíbrio na condução do processo, minando a imparcialidade essencial ao julgamento.
9. Afronta ao princípio da taxatividade
A defesa de Jair Bolsonaro lembra que, à luz do princípio jurídico da taxatividade, não é possível punir atos que não estejam previstos em lei.
O advogado Celso Vilardi frisou que reuniões ou discussões, como a realizada em 7 de dezembro de 2022 entre o então presidente, o ministro da Defesa e os comandantes militares, não configuram crime e tampouco podem ser enquadradas como tentativa de golpe de Estado.
Para ele, considerar o encontro como ato preparatório seria uma violação ao princípio da taxatividade, já que o Congresso optou por não tipificar esses atos como ilícitos penais, o que torna ilegal qualquer punição nesse sentido.
10. Quebra do princípio da presunção de inocência
O advogado do almirante Almir Garnier afirmou que, se Bolsonaro tivesse realmente desejado convocar pessoas para os eventos de 8 de janeiro, teria conseguido reunir 200 mil pessoas, e não apenas 2 mil. Ele argumentou que a quantidade reduzida de participantes indica que não houve um planejamento efetivo por parte de Bolsonaro para os eventos daquele dia. Segundo Torres, bastava “um assobio” do ex-presidente para que uma multidão correspondesse ao seu pedido de golpe, no fatídico 8 de janeiro, o que não aconteceu.
Além dele, Paulo Cunha Bueno, integrante da defesa de Jair Bolsonaro, argumentou na mesma linha: “Se o ex-presidente pretendia, de fato, decretar um estado de sítio ou de defesa, e houve a reticência dos comandantes da Aeronáutica e do Exército, ele não esgotou os meios para levar adiante o seu intento original. Bastava, mediante um simples despacho, ele substituir esses comandantes reticentes por nomes que, previamente, fossem aderentes a esse projeto.”
O advogado afirmou que o presidente tem a prerrogativa de nomear os comandantes militares, e que, portanto, bastava um simples despacho para que Bolsonaro tirasse os comandantes dissidentes e nomeasse “comandantes aderentes” ao projeto de golpe.
Em outras palavras, caso realmente desejasse manter o curso de um plano golpista, Bolsonaro teria instrumentos para fazê-lo. Como isso não ocorreu, o caso viola diretamente o princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. Ao fundamentar uma acusação em hipóteses ou conjecturas, sem a devida comprovação por meio de provas materiais e concretas, corre-se o risco de configurar um julgamento por presunção e não por prova, em flagrante ofensa ao princípio constitucional que garante ao réu a proteção contra condenações arbitrárias.
11. Falta ao princípio da justa causa
A defesa de Bolsonaro também apontou que nenhum dos acordos de colaboração firmados pelos envolvidos nos eventos de 8 de janeiro menciona o ex-presidente como líder ou chefe da organização.
“Esse caso vai crescendo para colocar o presidente no 8 de janeiro. São 680 processos, mais de 500 acordos de persecução penal. Onde está nos acordos que Bolsonaro é o instigador, o chefe?”, acrescentou Vilardi demonstrando a ausência de evidências que vinculem Bolsonaro diretamente aos atos daquele dia.
Uma ação penal só pode avançar quando há indícios mínimos de autoria e materialidade do crime. Na suposta trama golpista, os acordos de colaboração premiada — que costumam trazer os relatos mais detalhados — não apontam Jair Bolsonaro como mandante dos atos. Segundo o artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal, não há como dar prosseguimento a uma ação quando falta conexão clara entre o fato e a suposta autoria.
12. Ausência de cadeia de custódia
Em relação à “minuta do golpe”, a defesa do ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres, classificou-a como “minuta do Google”. O advogado Eumar Novacki disse que o documento está disponível na internet, de forma apócrifa, não tem qualquer valor jurídico e, portanto, não pode ser considerado como um plano concreto para um golpe de Estado.
Embora o advogado de Mauro Cid, Jair Alves Pereira, tenha afirmado que a minuta só foi conhecida porque Cid revelou sua existência, Pereira reforçou que não há evidências de que tenha sido compartilhada ou colocada em prática.
Já o defensor do ex-presidente Celso Vilardi explicou que, além de a minuta ter sido encontrada no celular do delator Mauro Cid, a alegação de que Bolsonaro alterou o documento “é a palavra do relator”. “Isso não aconteceu”, explicou Vilardi, negando que o ex-presidente tenha editado o texto.
No processo penal, uma prova precisa ter cadeia de custódia, o que significa ter registro formal de sua origem, posse ou integridade, o que garante que uma prova seja autêntica e confiável durante todo o processo. Sem esses registros, não é possível comprovar a autoria ou autenticidade do documento, o que pode torná-lo inadmissível como prova em juízo.
13. Violação do princípio da tipicidade penal
A defesa também argumentou que Bolsonaro não tomou medidas efetivas para decretar o estado de sítio ou de defesa, instrumentos constitucionais que exigem a concordância de várias autoridades.
O advogado Paulo Cunha Bueno explica que o estado de sítio (assim como o estado de defesa) é um instrumento colegiado, não um ato unilateral do presidente: “São termos constitucionais e extremamente formais dentro da lei. Para você convocar um estado de sítio ou estado de defesa, você convoca o Conselho da República e o Conselho de Defesa. As pessoas imaginam, talvez, não sei por que, que seja um ato de força unilateral do presidente da República. Não é.”
Bueno destacou que a decretação do estado de sítio depende da consulta e da atuação de órgãos colegiados — especificamente o Conselho da República e o Conselho de Defesa — e não pode ser determinada de maneira isolada pelo presidente da República.
Conforme a defesa aponta, mesmo sem chegar a aplicar o instituto constitucional, estudar ou planejar a decretação de estado de sítio ou de defesa não configura crime, pois se trata de atribuição legal de um presidente da República. Tentar imputar culpa ao réu por isso fere o princípio da tipicidade penal, que exige conduta concreta e prevista em lei para caracterizar infração.
Fonte: Por Desirée Penãlba