Base de Lula aprovou projeto de bets que agora questiona: 'É como abrir as portas do inferno'

Base de Lula aprovou projeto de bets que agora questiona: 'É como abrir as portas do inferno'


Tela de celular mostra aplicativo de apostas.

Porto Velho, RO - Parlamentares de partidos da base aliada de Lula (PT) que agora questionam, em iniciativas legislativas, termos da legalização das apostas votaram em peso a favor do projeto de lei que define as regras atuais para as apostas online, no ano passado.

A regulamentação desse mercado é iniciativa do governo federal e tem sido liderada pelo Ministério da Fazenda.

Até mesmo membros do PT dizem, agora, terem subestimado efeitos negativos e o alcance desse mercado nas contas dos brasileiros. Apesar disso, as apostas são liberadas no país desde 2018, por meio de lei, e as aparências crescem desde então, com televisões e redes sociais veiculando propagandas de apostas.

Após a lei que liberou as apostas no Brasil, aprovou no governo Michel Temer (MDB), o governo de Jair Bolsonaro (PL) deveria ter regulamentado o mercado, mas não o fez. No ano passado, o governo Lula editou uma MP (medida provisória) sobre o tema e, a partir disso, um projeto de lei passou a ser discutido no Congresso.

Na primeira votação na Câmara, em setembro de 2023, o texto, que contemplava, no geral, a proposta do governo, foi aprovado simbolicamente (quando não há contabilização individual de votos). Apenas deputados do PSOL e do Novo foram contra.

Uma grande mudança na Câmara foi a inclusão de jogos online, onde ambos cassinos e outros jogos de azar em ambiente virtual —o que não constava no texto original do governo.

No Senado, em dezembro do ano passado, o texto-base também foi votado simbolicamente, mas dois destaques foram aprovados e, ao contrário do que o governo queria, o tema voltou à Câmara. Na última sessão do ano, a Casa aprovou com 292 votos aprovados e 114 contrários. Apenas a oposição e a minoria orientaram contra o texto.

Em agosto deste ano, o Ministério da Fazenda definiu regras de “jogo responsável” para o mercado de apostas, com o objetivo de mitigar o vício e a individualização excessiva. A pasta define em outras duas portarias como será a fiscalização e as deliberações em caso de infração, que incluem multa de até R$ 2 bilhões.

Os efeitos completos da legalização entrarão em vigor em janeiro de 2025, e o governo conta com grande arrecadação. O texto da lei já prevê, por exemplo, regras gerais para a publicidade, algo que tem sido questionado agora no Congresso.

Diversos parlamentares avaliaram propostas para mudar o texto chancelado por eles mesmos no ano passado. Isso ocorre em meio a denúncias envolvendo apostas, o surgimento de dados mais robustos sobre impactos na vida cotidiana e debates de setores como o varejo e o de bancos.

Segundo a CNC (Confederação Nacional do Comércio), as apostas online deixaram um total de 1,3 milhão de brasileiros inadimplentes no primeiro semestre deste ano.

Um outro projeto na Câmara, da presidente do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), é um dos que impedem o veto de propagandas.

Gleisi disse à Folha que é necessário que os parlamentares analisem o tema ainda neste ano. Segundo ela, é preciso fazer uma "avaliação crítica" do que ocorreu.

“Subestimamos os contrapesos e devastadores sobre o que isso causa à população brasileira. É como se a gente tivesse aberto as portas do inferno, não tínhamos noção do que isso poderia causar”, diz ela. "Principalmente essa ação muito ofensiva das casas de jogos e o uso de publicidade extrema."

Ela diz que vai procurar o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para propor um esforço dos parlamentares sobre o assunto. "Precisamos fazer alguma coisa neste ano, temos que ter noção do que causamos, a nossa responsabilidade, e o que pode ser feito. Isso também é responsabilidade do Congresso."

O deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) também é autor de outras matérias que tratam da regulamentação. Uma delas, apresentada nesta semana, proíbe a utilização de cartões de crédito e contas bancárias do Bolsa Família nessas apostas.

À reportagem, ele diz que não é o caso de acabar com as apostas, mas, sim, aperfeiçoar a legislação. "Agora mudou porque chegamos a uma conclusão de que precisa aperfeiçoar. Não ter vetado o uso dos cartões, o Bolsa Família e não termos regulamentados as propagandas foi ruim para as famílias brasileiras. O endividamento é claro, está tendo consequências. Precisamos sempre ter coragem de reformar e melhorar as legislações."

Segundo análise técnica do Banco Central, os beneficiários do Bolsa Família que fazem apostas esportivas online gastaram R$ 3 bilhões em apostas via Pix no mês de agosto.

Gleisi, por sua vez, afirma ter divergências com Lopes sobre esse projeto. “Temos que fazer um estudo geral de como a população brasileira está sendo jogado nessa questão dos incentivos dos jogos”, diz. “Não gosto desse tratamento diferenciado do Bolsa Família porque isso cria preconceitos e estigmatiza. Se o Banco Central está fazendo estudo, tem que fazer um estudo geral”, diz.

Nesta semana, ao menos quatro deputados da oposição a Lula apresentaram projetos de lei que tratam da exclusão do cadastro de beneficiários de programas sociais do governo em plataformas de apostas e jogos de azar.

Parlamentares de outros partidos também sugeriram propostas que tratam das apostas. Em agosto, o deputado Marx Beltrão (PP-AL) apresentou projeto de lei que tipifica a divulgação por meio de influenciadores nas redes sociais de jogos e apostas de azar —propõe prisão de três meses a um ano, além de multa.

Um projeto de lei com teor semelhante foi apresentado em julho pelo deputado Marcos Tavares (PDT-RJ).

O deputado Luiz Gastão (PSD-CE), por sua vez, apresentou projeto que define que a regulação da propaganda das apostas online deve seguir os mesmos moldes restritivos aplicados à publicidade de produtos fumígenos, bebidas alcoólicas e medicamentos.

Já o deputado Ricardo Ayres (Republicanos-TO) passou a colher assinaturas nesta quarta (25) para abrir uma nova CPI na Câmara que mira as apostas.

O senador Omar Aziz (PSD-AM) acionou a PGR (Procuradoria-Geral da República) para tentar tirar dos sites de apostas esportivas até que as empresas sejam completamente regulamentadas.

Já o partido Solidariedade prepara uma ação a ser enviada ao STF (Supremo Tribunal Federal) contra a lei. Segundo a legenda, a lei das apostas se omite em prever regras de proteção contra os socioeconomicamente vulneráveis ​​​​e também contra o jogo compulsivo.

Fonte: Folha de São Paulo
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