Foto: André Borges/EFE
Porto Velho, RO - Desde o início do governo, o presidente Lula vem fazendo forte pressão para o Banco Central baixar a taxa de juros Selic. Para Lula, a economia brasileira não decola por conta da Selic elevada.
O erro do raciocínio do presidente é acreditar que as taxas de juros de mercado são influenciadas por decisões políticas, na canetada, e não consequência de outras variáveis, como o risco e a inflação. Para ele, existe uma má vontade por conta de Campos Neto, e sua equipe, em não reduzir a taxa básica de juros da economia.
De fato, quando o Banco Central reduz a Selic, há um aumento de dinheiro em circulação, com efeitos positivos na atividade econômica. Operacionalmente, o Banco Central compra títulos dos bancos (operação compromissada), capitalizando as instituições financeiras. Os bancos, com mais recursos, tendem a ofertar crédito a uma taxa de juros menor (perdem no preço, mas ganham no volume) em seus canais Pessoa Física (PF) e Pessoa Jurídica (PJ). O crédito mais barato eleva o consumo das famílias e os investimentos das empresas, aquecendo a economia. Isso é ótimo, desde que não traga riscos inflacionários.
Porém, uma redução da Selic não significa, necessariamente, que a taxa do crédito lá na ponta irá cair em igual magnitude, pois o risco influencia também nesta operação. Um banco carrega sua taxa de juros num empréstimo, levando em conta a Selic mais um prêmio pelo risco. É justamente o risco que tem impedido uma queda da própria Selic e dos juros de mercado de uma maneira mais intensa.
De um tempo para cá, o risco da economia brasileira piorou. O déficit nominal – total de despesas do governo, incluindo o pagamento de juros - está próximo de R$1 trilhão no acumulado em 12 meses, praticamente o que se gastava numa pandemia. Pior do que o número em si, é a falta de comprometimento do governo em realizar um ajuste fiscal profundo, com redução do tamanho do Estado, corte de despesas obrigatórias e diminuição de subsídios. Todas as medidas até agora focaram apenas no aumento da arrecadação, o que não garante a sustentabilidade das contas públicas, nem a curto e, muito menos, a longo prazo.
Com o quadro fiscal mais complicado, as taxas de juros dos títulos públicos se elevavam. A razão é simples: com mais risco de o governo dar calote na dívida pública, os investidores pedem mais prêmio para financiar o Estado brasileiro. Os investidores não agem por mal, mas racionalmente diante de incertezas futuras.
Taxa prefixada do título LTN 2027
Taxa prefixada do título LTN 2027 | Tesouro Direto
De acordo com a teoria de Finanças, se a taxa para financiar o governo se torna mais elevada, todas as demais, de juros da economia, sobem. A lógica é elementar: uma empresa não consegue emitir uma debênture numa taxa de juros menor do que a taxa de um título público, uma vez que a companhia tem mais risco que o governo.
Em resumo, a elevação do risco fiscal puxa todas as taxas de juros da economia para cima, independentemente do movimento da Selic. Se ainda não ficou claro, um exemplo ajuda a elucidar a questão. Imagine que a taxa básica de juros da Venezuela fosse para 1% a.a. Alguém em sã consciência emprestaria dinheiro para o governo venezuelano?
Com este exemplo, fica claro que o Ministério da Fazenda, com sua política fiscal, pode influenciar as taxas de juros praticadas pelo mercado. Mas não é só isso: as perspectivas fiscais do governo interferem também na definição da própria Selic.
Sabemos que a Selic é utilizada para controlar a inflação - alta generalizada e persistente dos preços, causada pelo excesso de dinheiro acima do que a economia consegue absorver. Assim, para controlar a inflação, o Banco Central vende títulos públicos para os bancos (tira dinheiro de circulação), e a taxa Selic sobe. Com o enxugamento da liquidez, as instituições financeiras encaram os empréstimos e financiamentos em seus canais.
O crédito mais caro desaquece a economia, diminuindo o consumo das famílias e o investimento das empresas, impedindo mais elevações de preço dos bens e serviços.
Isso posto, quando o governo gasta muito, há dois efeitos. O primeiro é a própria pressão dos gastos que potencializa a inflação, seja pela elevação de despesas, seja pelos empréstimos subsidiados abaixo da Selic. O segundo efeito é que a política fiscal expansionista (mais gastos) leva a uma perda de eficácia da política monetária de curto prazo - alterações na taxa Selic para conter a inflação. De um modo mais simples: com elevação do gasto público, o remédio taxa de juros perde a sua eficácia no combate à patologia da inflação.
Embora o Copom, em sua última decisão, não tenha explicitado enfaticamente que a piora fiscal foi determinante para a manutenção dos juros em 10,5% a.a., infere-se que isso pesou bastante na decisão, analisando o próprio comunicado do Banco Central.
O relatório do Banco Central diz que o “cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam maior cautela”.
No entanto, a própria desancoragem das expectativas (piora nas projeções inflacionárias) está intimamente ligada à política fiscal. Inclusive, o próprio Banco Central reconhece isso, ao reafirmar que “uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária”.
Dessa forma, forma, conclui-se que a piora das expectativas inflacionárias foi determinada pela piora fiscal.
A deterioração fiscal não traz impactos apenas na piora das expectativas inflacionárias, mas influencia também na alta do dólar. A moeda americana mais cara traz impactos inflacionários, à medida que no processo produtivo de várias empresas, há uma série de componentes importados, que ficam mais caros. Com o encarecimento do processo produtivo, há um repasse da alta de custos para o consumidor final.
É bom o presidente Lula entender que o Banco Central, na verdade, tem ajudado o seu governo a conter a inflação, mesmo com todas as pressões políticas populistas
Se o Banco Central ceder a essas pressões, sabemos o final da história. Durante o governo Dilma, o Banco Central reduziu a Selic, mesmo com uma inflação persistentemente elevada. Resultado: não veio o crescimento, a inflação se elevou, e o Banco Central foi obrigado a subir rapidamente a taxa básica de juros para 14,25% a.a. para a alta dos preços.
Os efeitos políticos dessa história também conhecemos. Talvez o presidente Lula saiba disso e apenas utilize o Banco Central como um bode expiatório para justificar o fraco desempenho da atividade econômica em seu governo.
Não há uma melhora econômica significativa capaz de ser sentida pela população. A melhora é marginal, captada apenas por alguns indicadores. Tanto é verdade que sua popularidade está em baixa, em parte, consequência de problemas na economia. Se continuar com o descontrole fiscal e as pressões em cima do Banco Central, a situação só tende a piorar. Fica a dica.
Fonte: Por Alan Ghani
O erro do raciocínio do presidente é acreditar que as taxas de juros de mercado são influenciadas por decisões políticas, na canetada, e não consequência de outras variáveis, como o risco e a inflação. Para ele, existe uma má vontade por conta de Campos Neto, e sua equipe, em não reduzir a taxa básica de juros da economia.
De fato, quando o Banco Central reduz a Selic, há um aumento de dinheiro em circulação, com efeitos positivos na atividade econômica. Operacionalmente, o Banco Central compra títulos dos bancos (operação compromissada), capitalizando as instituições financeiras. Os bancos, com mais recursos, tendem a ofertar crédito a uma taxa de juros menor (perdem no preço, mas ganham no volume) em seus canais Pessoa Física (PF) e Pessoa Jurídica (PJ). O crédito mais barato eleva o consumo das famílias e os investimentos das empresas, aquecendo a economia. Isso é ótimo, desde que não traga riscos inflacionários.
Porém, uma redução da Selic não significa, necessariamente, que a taxa do crédito lá na ponta irá cair em igual magnitude, pois o risco influencia também nesta operação. Um banco carrega sua taxa de juros num empréstimo, levando em conta a Selic mais um prêmio pelo risco. É justamente o risco que tem impedido uma queda da própria Selic e dos juros de mercado de uma maneira mais intensa.
De um tempo para cá, o risco da economia brasileira piorou. O déficit nominal – total de despesas do governo, incluindo o pagamento de juros - está próximo de R$1 trilhão no acumulado em 12 meses, praticamente o que se gastava numa pandemia. Pior do que o número em si, é a falta de comprometimento do governo em realizar um ajuste fiscal profundo, com redução do tamanho do Estado, corte de despesas obrigatórias e diminuição de subsídios. Todas as medidas até agora focaram apenas no aumento da arrecadação, o que não garante a sustentabilidade das contas públicas, nem a curto e, muito menos, a longo prazo.
Com o quadro fiscal mais complicado, as taxas de juros dos títulos públicos se elevavam. A razão é simples: com mais risco de o governo dar calote na dívida pública, os investidores pedem mais prêmio para financiar o Estado brasileiro. Os investidores não agem por mal, mas racionalmente diante de incertezas futuras.
Taxa prefixada do título LTN 2027
Taxa prefixada do título LTN 2027 | Tesouro Direto
De acordo com a teoria de Finanças, se a taxa para financiar o governo se torna mais elevada, todas as demais, de juros da economia, sobem. A lógica é elementar: uma empresa não consegue emitir uma debênture numa taxa de juros menor do que a taxa de um título público, uma vez que a companhia tem mais risco que o governo.
Em resumo, a elevação do risco fiscal puxa todas as taxas de juros da economia para cima, independentemente do movimento da Selic. Se ainda não ficou claro, um exemplo ajuda a elucidar a questão. Imagine que a taxa básica de juros da Venezuela fosse para 1% a.a. Alguém em sã consciência emprestaria dinheiro para o governo venezuelano?
Com este exemplo, fica claro que o Ministério da Fazenda, com sua política fiscal, pode influenciar as taxas de juros praticadas pelo mercado. Mas não é só isso: as perspectivas fiscais do governo interferem também na definição da própria Selic.
Sabemos que a Selic é utilizada para controlar a inflação - alta generalizada e persistente dos preços, causada pelo excesso de dinheiro acima do que a economia consegue absorver. Assim, para controlar a inflação, o Banco Central vende títulos públicos para os bancos (tira dinheiro de circulação), e a taxa Selic sobe. Com o enxugamento da liquidez, as instituições financeiras encaram os empréstimos e financiamentos em seus canais.
O crédito mais caro desaquece a economia, diminuindo o consumo das famílias e o investimento das empresas, impedindo mais elevações de preço dos bens e serviços.
Isso posto, quando o governo gasta muito, há dois efeitos. O primeiro é a própria pressão dos gastos que potencializa a inflação, seja pela elevação de despesas, seja pelos empréstimos subsidiados abaixo da Selic. O segundo efeito é que a política fiscal expansionista (mais gastos) leva a uma perda de eficácia da política monetária de curto prazo - alterações na taxa Selic para conter a inflação. De um modo mais simples: com elevação do gasto público, o remédio taxa de juros perde a sua eficácia no combate à patologia da inflação.
Embora o Copom, em sua última decisão, não tenha explicitado enfaticamente que a piora fiscal foi determinante para a manutenção dos juros em 10,5% a.a., infere-se que isso pesou bastante na decisão, analisando o próprio comunicado do Banco Central.
O relatório do Banco Central diz que o “cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam maior cautela”.
No entanto, a própria desancoragem das expectativas (piora nas projeções inflacionárias) está intimamente ligada à política fiscal. Inclusive, o próprio Banco Central reconhece isso, ao reafirmar que “uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária”.
Dessa forma, forma, conclui-se que a piora das expectativas inflacionárias foi determinada pela piora fiscal.
A deterioração fiscal não traz impactos apenas na piora das expectativas inflacionárias, mas influencia também na alta do dólar. A moeda americana mais cara traz impactos inflacionários, à medida que no processo produtivo de várias empresas, há uma série de componentes importados, que ficam mais caros. Com o encarecimento do processo produtivo, há um repasse da alta de custos para o consumidor final.
É bom o presidente Lula entender que o Banco Central, na verdade, tem ajudado o seu governo a conter a inflação, mesmo com todas as pressões políticas populistas
Se o Banco Central ceder a essas pressões, sabemos o final da história. Durante o governo Dilma, o Banco Central reduziu a Selic, mesmo com uma inflação persistentemente elevada. Resultado: não veio o crescimento, a inflação se elevou, e o Banco Central foi obrigado a subir rapidamente a taxa básica de juros para 14,25% a.a. para a alta dos preços.
Os efeitos políticos dessa história também conhecemos. Talvez o presidente Lula saiba disso e apenas utilize o Banco Central como um bode expiatório para justificar o fraco desempenho da atividade econômica em seu governo.
Não há uma melhora econômica significativa capaz de ser sentida pela população. A melhora é marginal, captada apenas por alguns indicadores. Tanto é verdade que sua popularidade está em baixa, em parte, consequência de problemas na economia. Se continuar com o descontrole fiscal e as pressões em cima do Banco Central, a situação só tende a piorar. Fica a dica.
Fonte: Por Alan Ghani