Lula (PT) e Bolsonaro (PL) durante debate eleitoral, em 2022.| Foto: Renato Pizzutto/Band.
Porto Velho, RO - Para a maioria dos eleitores de Jair Bolsonaro, o título acima deveria terminar com um ponto final depois de "2022". Nada menos que 61% deles acreditam que o ex-presidente só não venceu o pleito presidencial porque houve fraude eleitoral. O dado faz parte de uma pesquisa de opinião do Instituto Ideia realizada especialmente para o livro Voto a Voto: Os Cinco Principais Motivos que Levaram Bolsonaro a Perder (por Pouco) a Eleição (Editora Telha; 172 páginas; 65 reais), escrito pela jornalista Maria Carolina Trevisan e pelo economista Maurício Moura, fundador e presidente do Ideia. A negação da derrota de Bolsonaro nas urnas, porém, não ajuda o seu grupo político a entender o poderia ter feito diferente para garantir a reeleição — e, daqui para frente, para conseguir retornar ao poder.
Para quem gosta de descer aos detalhes dos fenômenos políticos e não permanecer na superficialidade de explicações já conhecidas, Voto a Voto cumpre bem esse papel. O livro propõe-se a compreender a vitória eleitoral de Lula de forma objetiva, sem partidarismos. Seu ponto de partida são pesquisas de opinião e estatísticas eleitorais. As explicações que emergem da análise desses dados demonstram que a vitória apertadíssima de Lula nas urnas (uma diferença de menos de 1 ponto percentual) foi quase inteiramente (de)mérito de Bolsonaro, não resultado de qualidades do adversário petista. A única característica de Lula que de fato contribuiu para o resultado eleitoral foi a de ser o candidato mais anti-Bolsonaro disponível. O que dificilmente pode ser classificado como uma "qualidade".
A equipe de Lula nunca apresentou um plano concreto para a economia. Bastou explorar o momento difícil que a população estava passando no último ano de Bolsonaro.
O livro argumenta, com base nas pesquisas, que o principal motivo para o fracasso de Bolsonaro em se reeleger, um fato inédito na nossa democracia, foi a insatisfação de uma parcela decisiva do eleitorado com a maneira como ele se comportou durante a pandemia de Covid-19. Os autores identificaram, ao analisar diversas outras disputas eleitorais, que existe uma nota de corte na popularidade de um governante abaixo da qual a tentativa de reeleição fica muito difícil: 40%.
E a aprovação de Bolsonaro ao longo de todo o período da pandemia, que pegou mais de metade do seu governo, sofreu muito impacto da percepção negativa que a população tinha de sua gestão da crise sanitária. Isso porque "a avaliação geral positiva do governo federal foi sempre maior do que o desempenho do presidente diante da pandemia", escrevem os autores. Ou seja, o governo Bolsonaro era melhor avaliado em outras questões, mas a percepção negativa da gestão da pandemia puxava a sua popularidade para baixo, segundo as pesquisas.
O segundo motivo para entender por que Lula venceu a eleição era o estado da economia em 2022, último ano do mandato de Bolsonaro. Havia um contexto internacional difícil e a situação no Brasil não era muito melhor. A percepção era de piora, não de otimismo. O livro menciona, por exemplo, uma pesquisa Exame/Ideia de junho daquele ano em que 63% dos entrevistados diziam acreditar que a inflação ia aumentar ainda mais. A implementação do Auxílio Brasil turbinado não veio a tempo para melhorar a percepção da população sobre a economia. O pessimismo em relação às condições de vida existia até mesmo entre antigos eleitores de Bolsonaro, como demonstraram conversas qualitativas dos pesquisadores do Ideia, em junho de 2022, com mulheres jovens, de classe média, que tinham votado no ex-capitão em 2018.
A campanha de Lula nem precisou dizer como pretendia resolver a questão da redução no poder de compra dos brasileiros, ou seja, como ia cumprir a promessa de picanha no churrasquinho de domingo. A equipe de Lula nunca apresentou um plano concreto para a economia. Bastou explorar o momento difícil que a população estava passando no último ano de Bolsonaro. As medidas adotadas pelo governo para conter os preços dos combustíveis, por exemplo, tiveram efeito nas bombas, mas não se reverteram em votos como esperado. As pesquisas na época indicavam que os entrevistados que elogiavam a política já eram eleitores de Bolsonaro.
O terceiro motivo apontado no livro para a derrota de Bolsonaro em 2022 refere-se a um fenômeno identificado também em outros países que viram a ascensão de candidatos "antissistema". Explorar o sentimento antipolítica da população pode ser uma estratégia exitosa durante o período eleitoral, quando o candidato ainda está fora do "sistema", mas isso é muito difícil de sustentar depois que ele passa a governar. Estar no governo significa aderir de alguma forma ao sistema, mesmo quando se busca um estilo de confrontação com as instituições (justificável ou não).
É mais fácil criticar a "velha política" durante a campanha, colocando-se como alguém de fora, não participante do esquema (ainda que tendo habitado o Congresso como deputado por décadas). Uma vez no poder, a própria sobrevivência política no cargo acaba exigindo uma acomodação com as elites políticos — e foi o que aconteceu a partir da segunda metade do governo Bolsonaro, quando o Centrão foi incorporado à sua administração.
Em 2018, Bolsonaro foi o candidato da mudança. Uma vez presidente, os embates com os outros poderes não serviram para que ele conseguisse repetir a estratégia, já que reeleição, por definição, representa a busca por continuidade, não mudança. Isso gerou uma frustração em muitos antigos eleitores de Bolsonaro. Os autores de Voto a Voto recorreram a pesquisas qualitativas para entender esse fenômeno: "Em 2022, os grupos focais com ex-eleitores bolsonaristas — que votaram em 2018, mas não pretendiam repetir o voto — apontaram exatamente este sentimento: não estavam arrependidos de escolher Bolsonaro em 2018, mas decepcionados com um presidente que fez promessas de campanha e gerou expectativas que não foram cumpridas".
Voto a Voto aponta um fator adicional de rejeição a Bolsonaro em 2022: o eleitorado feminino. Em um levantamento feito para o livro com brasileiras que haviam votado em Bolsonaro em 2018 e que se arrependeram, os autores identificaram que oito em cada dez delas reprovavam a sua atitude em relação à mulheres, ou sejam, consideravam-no machista. Mas esse não era o único fator que explicava a decepção delas com o presidente. Havia também as questões relacionadas à economia e a avaliação de que as promessas de melhoria na segurança pública não haviam sido cumpridas. Estatísticas à parte, o fato é que elas não se sentiam mais seguras.
O quinto e último fator para a derrota por pouco de Bolsonaro nas eleições de 2022, segundo Trevisan e Moura, foi o retorno de Lula ao jogo eleitoral. Isso ocorreu, como todos sabem, graças a uma sequência de decisões controversas do STF.
O Lula que venceu em 2022 não tinha nem de perto a popularidade do Lula que concluiu seu segundo mandato em 2010 com 87% de aprovação. Ainda assim, da mesma forma que Bolsonaro se elegeu em 2018 como o candidato anti-Lula por excelência (ainda que disputando com seu substituto, Fernando Haddad), Lula chegou em 2022 como o mais autêntico candidato anti-Bolsonaro. E assim capitalizou em cima dos erros acumulados do adversário.
Não espanta que Lula seja tão obcecado com os próprios índices de popularidade. Ele não quer cair para a aquela perigosa faixa que derruba chances de reeleição, como ocorreu com seu adversário.
Fonte: Por Diogo Schelp
Para quem gosta de descer aos detalhes dos fenômenos políticos e não permanecer na superficialidade de explicações já conhecidas, Voto a Voto cumpre bem esse papel. O livro propõe-se a compreender a vitória eleitoral de Lula de forma objetiva, sem partidarismos. Seu ponto de partida são pesquisas de opinião e estatísticas eleitorais. As explicações que emergem da análise desses dados demonstram que a vitória apertadíssima de Lula nas urnas (uma diferença de menos de 1 ponto percentual) foi quase inteiramente (de)mérito de Bolsonaro, não resultado de qualidades do adversário petista. A única característica de Lula que de fato contribuiu para o resultado eleitoral foi a de ser o candidato mais anti-Bolsonaro disponível. O que dificilmente pode ser classificado como uma "qualidade".
A equipe de Lula nunca apresentou um plano concreto para a economia. Bastou explorar o momento difícil que a população estava passando no último ano de Bolsonaro.
O livro argumenta, com base nas pesquisas, que o principal motivo para o fracasso de Bolsonaro em se reeleger, um fato inédito na nossa democracia, foi a insatisfação de uma parcela decisiva do eleitorado com a maneira como ele se comportou durante a pandemia de Covid-19. Os autores identificaram, ao analisar diversas outras disputas eleitorais, que existe uma nota de corte na popularidade de um governante abaixo da qual a tentativa de reeleição fica muito difícil: 40%.
E a aprovação de Bolsonaro ao longo de todo o período da pandemia, que pegou mais de metade do seu governo, sofreu muito impacto da percepção negativa que a população tinha de sua gestão da crise sanitária. Isso porque "a avaliação geral positiva do governo federal foi sempre maior do que o desempenho do presidente diante da pandemia", escrevem os autores. Ou seja, o governo Bolsonaro era melhor avaliado em outras questões, mas a percepção negativa da gestão da pandemia puxava a sua popularidade para baixo, segundo as pesquisas.
O segundo motivo para entender por que Lula venceu a eleição era o estado da economia em 2022, último ano do mandato de Bolsonaro. Havia um contexto internacional difícil e a situação no Brasil não era muito melhor. A percepção era de piora, não de otimismo. O livro menciona, por exemplo, uma pesquisa Exame/Ideia de junho daquele ano em que 63% dos entrevistados diziam acreditar que a inflação ia aumentar ainda mais. A implementação do Auxílio Brasil turbinado não veio a tempo para melhorar a percepção da população sobre a economia. O pessimismo em relação às condições de vida existia até mesmo entre antigos eleitores de Bolsonaro, como demonstraram conversas qualitativas dos pesquisadores do Ideia, em junho de 2022, com mulheres jovens, de classe média, que tinham votado no ex-capitão em 2018.
A campanha de Lula nem precisou dizer como pretendia resolver a questão da redução no poder de compra dos brasileiros, ou seja, como ia cumprir a promessa de picanha no churrasquinho de domingo. A equipe de Lula nunca apresentou um plano concreto para a economia. Bastou explorar o momento difícil que a população estava passando no último ano de Bolsonaro. As medidas adotadas pelo governo para conter os preços dos combustíveis, por exemplo, tiveram efeito nas bombas, mas não se reverteram em votos como esperado. As pesquisas na época indicavam que os entrevistados que elogiavam a política já eram eleitores de Bolsonaro.
O terceiro motivo apontado no livro para a derrota de Bolsonaro em 2022 refere-se a um fenômeno identificado também em outros países que viram a ascensão de candidatos "antissistema". Explorar o sentimento antipolítica da população pode ser uma estratégia exitosa durante o período eleitoral, quando o candidato ainda está fora do "sistema", mas isso é muito difícil de sustentar depois que ele passa a governar. Estar no governo significa aderir de alguma forma ao sistema, mesmo quando se busca um estilo de confrontação com as instituições (justificável ou não).
É mais fácil criticar a "velha política" durante a campanha, colocando-se como alguém de fora, não participante do esquema (ainda que tendo habitado o Congresso como deputado por décadas). Uma vez no poder, a própria sobrevivência política no cargo acaba exigindo uma acomodação com as elites políticos — e foi o que aconteceu a partir da segunda metade do governo Bolsonaro, quando o Centrão foi incorporado à sua administração.
Em 2018, Bolsonaro foi o candidato da mudança. Uma vez presidente, os embates com os outros poderes não serviram para que ele conseguisse repetir a estratégia, já que reeleição, por definição, representa a busca por continuidade, não mudança. Isso gerou uma frustração em muitos antigos eleitores de Bolsonaro. Os autores de Voto a Voto recorreram a pesquisas qualitativas para entender esse fenômeno: "Em 2022, os grupos focais com ex-eleitores bolsonaristas — que votaram em 2018, mas não pretendiam repetir o voto — apontaram exatamente este sentimento: não estavam arrependidos de escolher Bolsonaro em 2018, mas decepcionados com um presidente que fez promessas de campanha e gerou expectativas que não foram cumpridas".
Voto a Voto aponta um fator adicional de rejeição a Bolsonaro em 2022: o eleitorado feminino. Em um levantamento feito para o livro com brasileiras que haviam votado em Bolsonaro em 2018 e que se arrependeram, os autores identificaram que oito em cada dez delas reprovavam a sua atitude em relação à mulheres, ou sejam, consideravam-no machista. Mas esse não era o único fator que explicava a decepção delas com o presidente. Havia também as questões relacionadas à economia e a avaliação de que as promessas de melhoria na segurança pública não haviam sido cumpridas. Estatísticas à parte, o fato é que elas não se sentiam mais seguras.
O quinto e último fator para a derrota por pouco de Bolsonaro nas eleições de 2022, segundo Trevisan e Moura, foi o retorno de Lula ao jogo eleitoral. Isso ocorreu, como todos sabem, graças a uma sequência de decisões controversas do STF.
O Lula que venceu em 2022 não tinha nem de perto a popularidade do Lula que concluiu seu segundo mandato em 2010 com 87% de aprovação. Ainda assim, da mesma forma que Bolsonaro se elegeu em 2018 como o candidato anti-Lula por excelência (ainda que disputando com seu substituto, Fernando Haddad), Lula chegou em 2022 como o mais autêntico candidato anti-Bolsonaro. E assim capitalizou em cima dos erros acumulados do adversário.
Não espanta que Lula seja tão obcecado com os próprios índices de popularidade. Ele não quer cair para a aquela perigosa faixa que derruba chances de reeleição, como ocorreu com seu adversário.
Fonte: Por Diogo Schelp