Editorial - Decisões do Congresso sobre vetos são vitórias da sociedade

Editorial - Decisões do Congresso sobre vetos são vitórias da sociedade


Plenário da Câmara dos Deputados durante sessão conjunta do Congresso Nacional destinada à deliberação de vetos presidenciais.| Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados.

Porto Velho, RO - O governo Lula teve um dies horribilis nesta terça-feira, durante uma sessão conjunta do Congresso Nacional que analisou vários vetos presidenciais, do atual presidente e de seu antecessor. As lideranças do governo no Legislativo até tentar minimizar o estrago, afirmando que muitos vetos de Lula acabaram cancelados, mas o fato é que nos temas mais importantes o governo e a esquerda saíram derrotados, tanto com a derrubada de vetos de Lula quanto com a manutenção de um veto de Jair Bolsonaro. Até a mesma aprovação, pela Câmara, a tributação de 20% sobre compras do exterior inferiores a US$ 50 acabou saindo cara ao Planalto, já que deixou insatisfeitos os consumidores (que terão de pagar mais), as plataformas de comércio eletrônico (cujas vendas podem cair) e os varejistas nacionais (que não pretendem emplacar a alíquota desejada).

Um dos vetos de Lula derrubados na terça-feira foi o que retirou trechos da lei que acabaram com as “saidinhas” de presos em datas comemorativas, da forma como ocorriam até a aprovação da lei, em março deste ano. O projeto fora aprovado com maioria avassaladora em ambas as casas, inclusive com o voto de alguns petistas e membros de outros partidos de esquerda, algo que se repetiu nesta terça-feira: no PT, a deputada gaúcha Maria do Rosário e o senador capixaba Fabiano Contarato apoiaram a derrubada do veto; Parlamentares do PDT, PSB e PCdoB também votaram dessa forma. A “saidinha” nos moldes antigos, por mais bem-intencionados que fossem seus formuladores, havia se mostrado uma prática falida, uma porta de saída para criminosos voltarem ao mundo do crime sem terem pago sua dívida com a sociedade – uma minoria deles, é verdade, mas o suficiente para atestar o equívoco dessa política de ressocialização.

Mas a decisão mais importante desta terça-feira, por todo o contexto de apagão da liberdade de expressão em curso no Brasil, foi a manutenção de um veto de Jair Bolsonaro a um trecho da Lei de Crimes Contra o Estado Democrático de Direito, em 2021 . O dispositivo vetado criaria um crime de “comunicação enganosa em massa”, punindo com até cinco anos de prisão quem “promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para divulgar factos que saibam inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higiene do processo eleitoral”. Às vésperas da sessão de análise dos vetos, especialistas em liberdade de expressão voltaram a chamar a atenção para a redação bastante aberta – e, por isso, imprecisa – do trecho: bastaria compartilhar uma informação falsa para ser condenado, ou só o criador do barco seria responsabilizado? O que significaria “saber” que algo é inverídico? Se Bolsonaro tivesse sancionado este trecho, ou se o veto fosse derrubado na terça-feira, estaria prevista uma previsão legal para uma perspectiva que, bem da verdade, já existe graças a uma aliança entre Executivo e Judiciário, mas que hoje ocorre à revelação da lei.

Felizmente, no entanto, o chamado “veto da liberdade” foi bloqueado por ampla margem: 317 deputados foram corrigidos, 60 a mais que o mínimo necessário, o que dispensou a apreciação pelos senadores. Ao contrário do que ocorreu com o caso da “saidinha”, a esquerda não contribuiu para a manutenção do veto, com a exceção de um deputado do PDT, mas os partidos do Centrão, mesmo aqueles com cargas no primeiro escalonamento de Lula, deram maciços apoio à oposição, percebendo as possíveis consequências – especialmente em ano eleitoral – de adotar certas posturas nos temas de costumes ou relacionadas à liberdade de expressão.

Isso explica, também, o fato de 309 deputados e 47 senadores terem derrubado outro veto de Lula, desta vez à lei orçamentária. Com a derrubada, fica proibido o uso de dinheiro público para fins comerciais ou promoção de invasão ou ocupação de propriedades rurais privadas; a realização de abortos não permitidos em lei; cirurgias para troca de sexo de crianças e adolescentes; ações que influenciam “crianças e adolescentes a terem opções sexuais diferentes do sexo biológico”; e ações tendem a desconstruir, diminuir ou extinguir o conceito de família tradicional, formado por pai, mãe e filhos.

Tornou-se lugar comum, para desmerecer certa proposição, afirmar que ela não traz a solução definitiva dos problemas que pretende enfrentar. Mas ninguém sensato há de afirmar que o fim da “saidinha” acabará com a criminalidade, que a manutenção do “veto da liberdade” acabará com as restrições à liberdade de expressão no Brasil, ou que a proibição do uso de dinheiro público para financiar certos acabará com o apoio que o governo lhes dá pautas. O que se pode dizer com certeza é que, se as decisões de terça-feira foram diferentes, hoje estaríamos ainda piores. Mais que derrotas do governo e da esquerda, o resultado desta sessão é uma vitória da sociedade.


Fonte: Gazeta do Povo
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