
EXPECTATIVA - Guaribas, no Piauí: clima de ansiedade na cidade-berço do programa social
Porto Velho, RO - Com novidades e promessas de resolver problemas crônicos do benefício, presidente se prepara para retomar uma das principais vitrines eleitorais do PT

NA MIRA - Dias: a pasta comandada pelo petista fará pente-fino em cadastro

CONTRIBUIÇÃO - Tebet: ministra do Planejamento, ela coordenou a parte social na transição de governo
Um dos carros-chefe do novo Bolsa Família, o pagamento de 150 reais extras para cada criança de zero a 6 anos é visto como forma de retomar o critério de proporcionalidade que existia no antigo programa — quanto maior a família, maior a necessidade de dinheiro —, limado pelo governo Bolsonaro. O ideal, segundo especialistas, era que se voltasse ao desenho antigo, com valores de acordo com o tamanho das famílias. Depois que Bolsonaro elevou no Auxílio Brasil o pagamento médio (inicialmente para 400 e depois para 600 reais), no entanto, é difícil voltar atrás, por questões políticas. “A única coisa em que a regra dos 600 reais é ‘boa’ é em termos eleitorais”, diz Marcelo Neri, diretor do FGV Social e um dos maiores estudiosos do assunto. Já que não pega bem mexer nos 600 reais pagos pelo antecessor e cuja manutenção foi prometida pelo petista na campanha, a equipe do novo governo diz que vem procurando corrigir outras distorções da proposta original. Um exemplo citado são os furos no Cadastro Único causados pelo Auxílio Brasil de Bolsonaro. Em uma entrevista recente, Wellington Dias afirmou que há suspeitas de 2,5 milhões de fraudes no sistema, com famílias recebendo indevidamente o dinheiro — casos como os de pessoas com renda de até nove salários mínimos sendo beneficiadas.
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TETO FURADO - Lira: o Congresso abriu caminho para bancar programa em 2023
Para fazer frente ao problema, o governo atual pretende passar um pente-fino no banco de dados. O primeiro passo foi a criação de uma opção no aplicativo do CadÚnico que permite aos cadastrados indevidamente se retirarem da lista de beneficiários. Em outra frente, o governo federal prevê fazer parcerias com prefeituras para enviar agentes municipais aos endereços cadastrados, a fim de que verifiquem se os moradores estão recebendo os benefícios de maneira regular. A gestão Lula estima que a “limpeza” das famílias unipessoais no CadÚnico se estenda de março a dezembro e prevê uma campanha informativa sobre as regras do programa, a ser lançada até abril. Outra medida que membros do governo consideram importante para os ajustes do Cadastro Único foi o início de sua integração ao Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), base de dados com informações sobre vínculos empregatícios, remunerações e contribuições previdenciárias dos cidadãos. O desenho pensado por membros da gestão prevê como critério para participar do programa uma renda de até 525 reais por mês para cada integrante da família, que hoje é de até 210 reais. No passado, um beneficiário do Bolsa Família era excluído do programa quando conseguia emprego. Daqui para a frente, quem recebe o benefício poderá estar empregado formalmente e continuar dentro do Bolsa Família, caso sua renda mensal per capita não ultrapasse os 525 reais. Assim, a medida também ajudaria a combater estímulos à informalidade no trabalho entre os beneficiários.

PROBLEMAS - Bolsonaro e o ex-ministro Roma: o Auxílio Brasil ampliou casos de famílias “unipessoais”
Antes da era petista, o grande marco em iniciativas de renda mínima no país foi o Bolsa Escola, de Fernando Henrique Cardoso. Ao chegar ao Palácio do Planalto, o petista reuniu esse e outros programas sociais da época do tucano, criando a marca Bolsa Família. Com base nos resultados obtidos a partir de 2003, Lula acredita que o novo programa será essencial no combate à miséria, sua principal bandeira. De fato, todas as pesquisas sobre insegurança alimentar mostram que o Brasil avançou no enfrentamento desse mal de 2004 a 2014, um mérito dos governos petistas, embora a fome nunca tenha sido completamente eliminada, apesar de Lula não se cansar de repetir a “façanha”. Por volta de 2014, ainda no primeiro governo de Dilma Rousseff, os indicadores sociais voltaram a piorar, dando início a um processo que se intensificou entre 2018 e 2022, nos governos Michel Temer e Bolsonaro. A explicação para o sucesso do primeiro período do PT no governo, no entanto, não está relacionada somente ao Bolsa Família. Naquele ciclo, houve uma conjunção de iniciativas que contribuíram para o enfrentamento da fome e da miséria, como o Programa de Aquisição de Alimentos, pelo qual o governo comprava a produção de pequenos agricultores e a distribuía, o Programa Nacional de Alimentação Escolar, responsável pelas refeições de crianças da rede pública e desarticulado na pandemia, a construção de cisternas no Nordeste, a valorização do salário mínimo e medidas como o reconhecimento dos direitos das empregadas domésticas. Algumas dessas iniciativas perderam força nos últimos anos e o governo pretende retomá-las, em paralelo ao Bolsa Família.

EFEITO - Filas: mais um reflexo dos problemas de cadastramento no programa
O programa de distribuição de renda trouxe muitos frutos políticos a Lula, sobretudo em sua primeira reeleição, e teve peso nas duas vitórias de sua pupila, Dilma. Mesmo com o PT longe do governo por seis anos, pesquisas mostram que o Bolsa Família até hoje tem efeitos sobre a popularidade de Lula e do partido. Segundo levantamento divulgado na última semana pela Quaest, 77% dos beneficiários do programa acham que o governo Lula se importa com eles, enquanto a volta ou aumento do Bolsa Família foi o segundo tema mais lembrado pelos entrevistados nos dois meses da nova gestão. Entre as faixas de renda, pessoas que ganham até dois salários mínimos são as que mais avaliam o governo Lula positivamente (47%) e as que mais se identificam com o PT (43%). “O Bolsa Família é o programa mais conhecido do PT e de maior vínculo positivo aos anos em que o partido governou o país”, resume Felipe Nunes, diretor da Quaest. O acerto em retomar o programa com o cuidado de corrigir as distorções mais flagrantes não elimina o fato de que é preciso aperfeiçoar ainda muito mais a política. Segundo estudiosos no assunto, a superação da pobreza precisa incluir incentivo ao trabalho, o que exige uma série de ações muito mais amplas e coordenadas. Exemplo disso é a volta da obrigatoriedade escolar, que não basta por si só. A primeira versão do Bolsa Família aumentou o número de matrículas, é verdade, mas isso não se refletiu na melhoria do aprendizado em geral. Fora discursos genéricos de intenções, Lula ainda não explicou como o novo programa será capaz de evitar esse grande erro do passado, que é o efeito cíclico de dependência do dinheiro público.

A ORIGEM - Bolsa Escola: FHC lançou o que Lula unificaria como Bolsa Família
Trata-se de uma questão fundamental, dado o tamanho do investimento feito na distribuição de renda por um país empobrecido como o Brasil. O programa corresponde hoje a 1,2% do PIB, quase cinco vezes mais do que em 2003. Essa conta fica ainda mais impressionante quando se analisam as regiões campeãs na dependência do benefício. Estudo do professor Ecio Costa, titular do Departamento de Economia da UFPE, mostra que os desembolsos corresponderam em 2022 a 15% da projeção do PIB de Guaribas — há municípios nordestinos em que a relação supera a casa dos 30%. Cabe ainda ao governo, acima de tudo, zelar pela política fiscal para impedir males que castigam com força os mais pobres. “Sem controle de inflação, o poder de compra se deteriora. É fundamental a preocupação social com responsabilidade fiscal”, lembra Costa. Com financiamento do Bolsa Família garantido apenas para 2023, o governo terá de encarar em breve novas negociações com o Congresso para garantir a continuidade. Mais do que isso, precisará encontrar políticas eficazes para ele ser muito mais do que um necessário e urgente remédio contra a pobreza, tornando-o um efetivo instrumento de real transformação de vidas.
Fonte: Veja